*No encontro do Sobre Livros e Leituras do dia 9 de maio de 2009, abordamos a autora Lya Luft. O texto abaixo foi um dos trazidos para "subsidiar" a conversa da mesa, escrito lá por 2002.
Uma das facetas que mais achei interessante no profundo romance A asa esquerda do anjo, da escritora santa-cruzense Lia Luft, é a exposição do conflito étnico que vivencia a protagonista da história, chamada por uns – “à maneira alemã” – de Guízela, e por outros de Gisséla – “em brasileiro”. O ambiente da cidade parece inspirado na Santa Cruz do Sul em torno dos anos de 1950.
São várias as passagens onde aparecem explicitamente litígios pessoais e sociais de fundo racial. Em certa altura da leitura, a personagem, que é neta de uma austera e conservadora avó de origem alemã, narra uma experiência de infância passada na escola, quando se depara com colegas que gritam em desprezo e ofensa a ela: “Alemão batata come queijo com barata”. Atordoada, Gisela retruca que em sua casa ninguém come tal coisa. As colegas, em clima de “lusos-descendentes versus germânicos”, não desistem: “Come sim, meu pai disse que vocês comem coisas esquisitas”, complementando que os alemães “vivem no Brasil e dizem que a Alemanha é melhor. E querem ser mais que a gente”. Vendo seus protestos e considerações não surtirem efeito apaziguador, Gisela, magoada, acaba por “devolver na mesma moeda”, e então insulta às “brasileiras” com um argumento derradeiro: “E vocês que têm sangue negro!”
Coisa terrível. A afro-descendência é usada como o máximo dos rebaixamentos da pessoa. Percebemos, assim, que, em meio a uma escola – conforme se pode concluir – freqüentada apenas pela elite branca da cidade, a hostilidade étnica mantêm-se, é grande e reafirma estereótipos, como a “superioridade ariana” dos descendentes de imigrantes alemães no Brasil em contraposição à “contaminação genética” que os de origem lusa teriam; a “não-brasilidade” dos teuto-descendentes e o conseqüente “perigo alemão” de que nos fala René Gertz. Sobretudo, no conjunto do conflito dessas meninas com raízes européias retratadas no romance, depreende-se a comum ojeriza dos brancos aos negros, enfim, o racismo explícito no seio da comunidade.
Lia Luft tem dito em suas entrevistas à imprensa que, de fato, vivenciou em seu tempo de criança e adolescência o peso do preconceito racial/cultural e os dramas humanos por ele produzidos. Assim, a A asa esquerda do anjo, mesmo que ficção, faz uma denúncia à intolerância, donde percebe-se o rompimento da autora com ilusões, mitos e tradições “puristas”, que, ao invés de incluir, excluem pessoas, com um saldo enorme e absurdo de sofrimentos desnecessários.
Iuri J. Azeredo
terça-feira, 12 de maio de 2009
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